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O Café da Rainha
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O Café da Rainha
O Café da Rainha
Fui contratada pela Mrs. Harriet para trabalhar como garçonete na sua cafeteria no
número 45 da Greek Street, no Soho, em Londres. Quando realmente consegui trabalhar como garçonete? Somente uma vez! Preciosa e inesquecível!
Nunca Mrs. Harriet disse com todas as letras que não deixava me aproximar dos clientes porque eu era feia. Um ou outro adjetivo, uma zombaria aqui, outra ali eram pedacinhos da colcha de retalhos que tecia com minha leve desconfiança. Só uma vez quando
descontava em mim a humilhação de um cliente apressado é que seus olhos, narizinho
e boquinha saltaram como cerejas de seu rosto amanteigado e úmido ao dizer para
eu tomar cuidado em não entregar meu nariz ao invés do cardápio para insuportável
cliente.
Sempre que alguém chegava com ares de escritor, músico ou artista, ela mandava Susan atendê-los, a única também com permissão para usar minissaias. Só me aproximava da mesa quando todos iam embora para limpar a sujeira feita por tão nobre clientela. E assim passava meus dias: limpando mesa, chão, banheiros, cinzeiros, pratos e xícaras na cozinha quando a freguesia era intensa.
Mas uma vez, aquela, preciosa e inesquecível, Mrs. Harriet teve que sair para resolver
problemas no banco e Susan, também a mais confiável, ficou no seu lugar, no
caixa, próximo à janela de cortinas rendadas, por onde os olhos fugiam e para a
qual a cabeça se inclinava. Aconteceu de entrarem quatro rapazes e foram logo
se sentar ao lado da parede de onde pendia um quadro da rainha Elizabeth I.
Vi que Susan falava ao telefone e a cabeça encostada ao gancho olhava enebriada para seu interlocutor invisível. Rápido peguei quatro cardápios e os entreguei com meu melhor
sorriso e precisas palavras de boa tarde. Sim, eram quatro e quinze de uma
tarde de primavera, em Londres, com um sol frio mas de intenso brilho.
Mal abriram o cardápio e decidiram, como dados ao hábito, pela primeira opção. Todos vão de “Queen’s coffee”? – perguntei para confirmar. Sim, respondeu-me
John, o mais próximo de mim.
Foi um segundo, um só instante. Nem tirei o bloco de pedidos do bolso do avental, mas consegui sentir o perfume agridoce que vinha de Paul, sentado de frente para John, em
cuja bochecha rosada abria um caminho trêmulo um pingo de suor. Eu vi o sorriso
mudo e espiritual de George. Seus olhos não olhavam para nada e para ninguém, a
não ser para seus próprios pensamentos. E as narinas largas ao final de um
proeminente nariz do Ringo, que me olhou e sorriu em sintonia com uma dor que
só nós dois sentíamos naquele momento.
Pedi urgência na realização do café da Rainha, que era na verdade chá inglês, biscoitos e um bolo à Henrique VIII, uma opção que virou moda e fez daquela cafeteria um ponto
turístico em Londres.
Os “Fab Four” falavam entusiasmados, poucos gestos e muitos risos, como amigos de longa data que se apreciam. Não prestei atenção à conversa para não ser indelicada. Mas vi que pela janela amontoavam-se fans, pessoas curiosas que até lá corriam, vindas
de seus escritórios, para espreitar através de uma nesga da cortina, aqueles
rapazes de Liverpool. Susan olhava na direção oposta, mas parecia não enxergar
o tanto de gente que se aglomerava no lado de fora, tal era o transe de sua
conversa com o namorado.
Logo pediram a conta e fiz o troco para eles ali mesmo na mesa. Qual é seu nome? – Paul me perguntou. – Sou Meg – respondi timidamente. Em seguida, Paul colocava a gorgeta no bolso do meu avental e sorria em agradecimento. Os quatro se despediram olhando-me nos olhos com um leve aceno e sorriso.
Mrs. Harriet chegou quando me viu limpando a mesa, tirando as bitucas de cigarros dos cinzeiros e ficou apaziguada. Quando contei-lhe que estiveram naquela mesa os Beatles,
ela riu debochadamente. Pedi que Susan confirmasse a presença deles, mas ela se
juntou ao coro desdenhoso e fui feita de tonta, além de feia e sonhadora.
Dois meses depois, o anúncio de que a banda mais famosa do mundo se separava fez com que meu testemunho se reduzisse à puro delírio fantasioso e esse ficou sendo o
segundo maior motivo para que nunca exercesse a função de garçonete para a qual
fui contratada.
Porém, nos momentos mais difíceis, diante das pilhas de pratos mais altas que tinha que
enfrentar, lá estavam eles na minha memória. O suor de John, o sorriso do
George, o cheiro do Paul e a empatia nos olhos do Ringo, ali, a me consolar,
uma experiência tão extraordinária que humilhação nenhuma conseguiria jamais
tirá-la de mim.
Cristina Faga
www.dhamariadesflora.blogspot.com
www.avidaemduvida.blogspot.com
Fui contratada pela Mrs. Harriet para trabalhar como garçonete na sua cafeteria no
número 45 da Greek Street, no Soho, em Londres. Quando realmente consegui trabalhar como garçonete? Somente uma vez! Preciosa e inesquecível!
Nunca Mrs. Harriet disse com todas as letras que não deixava me aproximar dos clientes porque eu era feia. Um ou outro adjetivo, uma zombaria aqui, outra ali eram pedacinhos da colcha de retalhos que tecia com minha leve desconfiança. Só uma vez quando
descontava em mim a humilhação de um cliente apressado é que seus olhos, narizinho
e boquinha saltaram como cerejas de seu rosto amanteigado e úmido ao dizer para
eu tomar cuidado em não entregar meu nariz ao invés do cardápio para insuportável
cliente.
Sempre que alguém chegava com ares de escritor, músico ou artista, ela mandava Susan atendê-los, a única também com permissão para usar minissaias. Só me aproximava da mesa quando todos iam embora para limpar a sujeira feita por tão nobre clientela. E assim passava meus dias: limpando mesa, chão, banheiros, cinzeiros, pratos e xícaras na cozinha quando a freguesia era intensa.
Mas uma vez, aquela, preciosa e inesquecível, Mrs. Harriet teve que sair para resolver
problemas no banco e Susan, também a mais confiável, ficou no seu lugar, no
caixa, próximo à janela de cortinas rendadas, por onde os olhos fugiam e para a
qual a cabeça se inclinava. Aconteceu de entrarem quatro rapazes e foram logo
se sentar ao lado da parede de onde pendia um quadro da rainha Elizabeth I.
Vi que Susan falava ao telefone e a cabeça encostada ao gancho olhava enebriada para seu interlocutor invisível. Rápido peguei quatro cardápios e os entreguei com meu melhor
sorriso e precisas palavras de boa tarde. Sim, eram quatro e quinze de uma
tarde de primavera, em Londres, com um sol frio mas de intenso brilho.
Mal abriram o cardápio e decidiram, como dados ao hábito, pela primeira opção. Todos vão de “Queen’s coffee”? – perguntei para confirmar. Sim, respondeu-me
John, o mais próximo de mim.
Foi um segundo, um só instante. Nem tirei o bloco de pedidos do bolso do avental, mas consegui sentir o perfume agridoce que vinha de Paul, sentado de frente para John, em
cuja bochecha rosada abria um caminho trêmulo um pingo de suor. Eu vi o sorriso
mudo e espiritual de George. Seus olhos não olhavam para nada e para ninguém, a
não ser para seus próprios pensamentos. E as narinas largas ao final de um
proeminente nariz do Ringo, que me olhou e sorriu em sintonia com uma dor que
só nós dois sentíamos naquele momento.
Pedi urgência na realização do café da Rainha, que era na verdade chá inglês, biscoitos e um bolo à Henrique VIII, uma opção que virou moda e fez daquela cafeteria um ponto
turístico em Londres.
Os “Fab Four” falavam entusiasmados, poucos gestos e muitos risos, como amigos de longa data que se apreciam. Não prestei atenção à conversa para não ser indelicada. Mas vi que pela janela amontoavam-se fans, pessoas curiosas que até lá corriam, vindas
de seus escritórios, para espreitar através de uma nesga da cortina, aqueles
rapazes de Liverpool. Susan olhava na direção oposta, mas parecia não enxergar
o tanto de gente que se aglomerava no lado de fora, tal era o transe de sua
conversa com o namorado.
Logo pediram a conta e fiz o troco para eles ali mesmo na mesa. Qual é seu nome? – Paul me perguntou. – Sou Meg – respondi timidamente. Em seguida, Paul colocava a gorgeta no bolso do meu avental e sorria em agradecimento. Os quatro se despediram olhando-me nos olhos com um leve aceno e sorriso.
Mrs. Harriet chegou quando me viu limpando a mesa, tirando as bitucas de cigarros dos cinzeiros e ficou apaziguada. Quando contei-lhe que estiveram naquela mesa os Beatles,
ela riu debochadamente. Pedi que Susan confirmasse a presença deles, mas ela se
juntou ao coro desdenhoso e fui feita de tonta, além de feia e sonhadora.
Dois meses depois, o anúncio de que a banda mais famosa do mundo se separava fez com que meu testemunho se reduzisse à puro delírio fantasioso e esse ficou sendo o
segundo maior motivo para que nunca exercesse a função de garçonete para a qual
fui contratada.
Porém, nos momentos mais difíceis, diante das pilhas de pratos mais altas que tinha que
enfrentar, lá estavam eles na minha memória. O suor de John, o sorriso do
George, o cheiro do Paul e a empatia nos olhos do Ringo, ali, a me consolar,
uma experiência tão extraordinária que humilhação nenhuma conseguiria jamais
tirá-la de mim.
Cristina Faga
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