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Mensagem por Tratado de Toxicologia Qui Dez 16, 2010 1:28 am

INTRODUÇÃO
Desde a Antiguidade greco-romana, o trabalho já era visto como um fator
gerador e modificador das condições de viver, adoecer e morrer dos
homens. Trabalhos de Hipócrates, Plínio, Galeno e outros chamavam a
atenção para a importância do ambiente, da sazonalidade, do tipo de
trabalho e da posição social como fatores determinantes na produção de
doenças.
Com a realidade social de tais épocas, em que nações escravizavam
outras nações subjugadas em guerra, esses relatos dificilmente teriam o
cunho de denúncia social. De Re Metallica, obra de Georg Bauer
(Georgius Agricola) de 1556, faz referência a doenças pulmonares em
mineiros, com descrição interessante de sintomas que hoje atribuímos à
silicose, e que Agrícola denominou asma dos mineiros. Já Paracelso, em
l567, descreve também doenças de mineiros da região da Boêmia e a
intoxicação pelo mercúrio. E em 1700, surge a extraordinária obra de
Bernardino Ramazzini, médico que atuava na região de Modena na Itália,
e, com uma visão clínica impressionante para aquela época onde não
existiam recursos propedêuticos maiores, descreve doenças que ocorriam
em mais de cinqüenta profissões. Em seu livro De Morbis Artificum
Diatriba pode-se encontrar, além da agudeza das observações, uma sutil
crítica de costumes. Em função da importância de seu trabalho, recebeu da
posteridade o título de pai da Medicina do Trabalho. Ramazzini,
antecipando alguns conceitos básicos da Medicina Social, enfatizou a
importância do estudo das relações entre o estado de saúde de uma
determinada população e suas condições de vida, que estavam, segundo
ele, na dependência da situação social (ROSEN, 1994). E, na verdade, se
observarmos como pano de fundo o panorama político-social da Europa de
então, encontraremos a visão de Ramazzini aceita por muitos,
acrescentando-se a idéia de que a vida social e tudo que a ela se referisse
(tal como condições de trabalho e de saúde) deveriam estar a serviço do
Estado, configurando-se aí um dos elementos doutrinários de um sistema,
a que se chamou mais tarde de mercantilismo ou cameralismo. Voltando
às referências de doenças associadas ao trabalho, lembramos MORGANI
que em Tratado de Patologia de 1761 apud MENDES (1980) observou e
enfatizou o item ocupação, no relato de todos os casos descritos.
PERCIVAL POTT, em 1776, fez as primeiras e minuciosas referências a
câncer escrotal em limpadores de chaminés, o que, na verdade, se
constituiu como marco inicial dos estudos de relação entre câncer e
trabalho (apud MENDES, 1994).
Em 1700, Ramazzini, mais tarde cognomiado o “Pai da Medicina do
Trabalho “, publicava a sua obra, ”De Morbis Artificum Diatriba” uma
série de doenças relacionadas com o trabalho. Com o progresso, novos
processos industriais foram surgindo e com eles novas funções ou
ocupações apareceram. Tornou-se cada vez mais imperiosa a necessidade
de existência de serviços que cuidassem da saúde e do bem estar dos
trabalhadores. Condições adversas do ambiente de trabalho têm favorecido
o aparecimento de moléstias profissionais e a ocorrência de acidentes de
trabalho cujas consequências são amplamente sabidas. Em toda a Europa,
principalmente na Alemanha, mas também na França e na Inglaterra,
difunde-se a doutrina da Medicina de Estado, baseada em ideólogos como
PETTY que afirma; ".. . uma população saudável é sinônimo de opulência
e poder". Vivia-se a preocupação com a urbanização crescente, com as
questões de alimento para o povo, saneamento, as grandes epidemias
(FOUCAULT, 1987). A medicina começa a se tornar coletiva, urbana,
social (MENDES, 1994). E é justamente aí, que surge um fato novo, que
modificaria todo um sistema econômico mundial, com reflexos sociais e
para a saúde das populações européias: a REVOLUÇÃO INDUSTRIAL.
Historicamente, segundo frisa bem ROSEN (1994), um dos fatores
responsáveis pelo desenvolvimento do mundo moderno e da organização e
das ações da moderna Saúde Pública foi a ascensão de uma economia
industrial que, para a maioria dos autores, tem seu período marcante entre
1760 e 1850. Ainda vivendo um modelo feudal de Idade Média, mas com
um crescente movimento de urbanização, a Inglaterra inicia a moderna
industrialização, e as fábricas se instalaram principalmente nos
aglomerados urbanos. O trabalho artesanal, onde o homem era detentor de
todo o processo, dá lugar a um processo industrial com profundas
modificações sociais.
Com a REVOLUÇÃO INDUSTRIAL surge uma nova situação: o
trabalho em ambientes fechados, às vezes confinados, a que se chamou de
fábricas. O êxodo rural, as questões urbanas de saneamento e de miséria se
juntaram a outro grande problema: as péssimas condições de trabalho (e
ambiente) alterando o perfil de adoecimento dos trabalhadores que
passaram a sofrer acidentes e desenvolver doenças nas áreas fabris, como
por exemplo, o tifo europeu (na época chamado febre das fábricas). A
maioria da mão de obra era composta de mulheres e crianças que sofriam a
agressão de diversos agentes, oriundos do processo e/ou ambiente de
trabalho. Em 1831, C. Turner Thackrar, médico inglês, em sua obra "Os
efeitos das artes, ofícios e profissões e dos estados civis e hábitos de vida
sobre asaúde e a longevidade", revelou as lamentáveis condições de vida e
de trabalho na cidade de Leeds, Inglaterra. A preocupação com a força de
trabalho, com as perdas econômicas suscitou a intervenção dos governos
dentro das fábricas. E chegamos ao início do século XIX com a presença
de médicos em fábricas (exemplo emblemático do médico Robert Baker,
na Inglaterra, citado por MENDES, 1980) e surgimento das primeiras leis
de saúde pública que marcadamente abordavam a questão saúde dos
trabalhadores (Act Factory, 1833, por exemplo). A Medicina do Trabalho
tinha aí seu marco inicial. No fim do século XIX se vislumbrava uma nova
era: os conhecimentos da "medicina científica", com base na teoria
microbiana, somavam-se ao reconhecimento dos conceitos da Medicina
Social, onde aspectos como habitação, saneamento, trabalho e outros
entram como co-fatores determinantes na gênese do processo de doença. O
modelo de serviços médicos dentro das empresas difundiu-se para vários
países da Europa e de outros continentes, paralelamente ao processo de
industrialização, e passou a ter um papel importante no controle da força
de trabalho através do aumento da produtividade e regulação do
absenteísmo (MENDES & DIAS, 1991).
Chegamos ao início do século XX, com o mundo à volta com grandes
mudanças. O ideário marxista, o socialismo e comunismo, se contrapondo
ao capitalismo e a Primeira Guerra Mundial, fruto ainda do imperialismo
herdado do século passado. Todos estes fatos, como explica
(HOBSBAWUN, 1995), determinaram profundas mudanças no panorama
político-social de todo o mundo. O processo de industrialização e a
crescente urbanização modificaram o panorama da relação capitaltrabalho.
O movimento sindical emergente começou a expressar o controle
social que a força de trabalho necessitava. Ao mesmo tempo, as novas
tecnologias, ao incorporaram novos processos de trabalho, geravam riscos
que culminavam em acidentes de trabalho e doenças profissionais. Como
sabemos, o fim do século passado e o início deste, foram pontuados por
grandes invenções, e a incorporação deste novo acervo científico e
tecnológico não aconteceu sem danos. A própria dinâmica da relação
capital-trabalho se modificou, embora mantendo o binômio final:
explorador e explorado, capitalista e operário. A Medicina do Trabalho que
encontramos no início do século XX, tem a ótica da medicina do corpo,
individual e biológica, estruturada sob a figura do médico do trabalho
como agente, e que, através de instrumentos empíricos, atuava sobre seu
objeto, o homem trabalhador, com uma abordagem clínico-terapêutica, em
que, no máximo, se analisava o microambiente de trabalho e a ação
patogênica de certos agentes ( DIAS, 1994; TAMBELLINI, 1993).
Este modelo também se mostrou insuficiente pelo reducionismo
científico e conceitual. O homem trabalhador tinha suas demandas
biológicas sim, mas também psíquicas e sociais e, neste aspecto, a
revolução industrial veio trazer o que LEAVELL & CLARK (1976)
definem como infelicitação do trabalhador.
No início do século XX, com a expansão e consolidação do modelo
iniciado com a revolução industrial e com a transnacionalização da
economia, surgiu a necessidade de medidas e parâmetros comuns, como
regulamentação e organização do processo de trabalho, que
uniformizassem os países produtores de bens industrializados. Assim é,
que foi criada a Organização Internacional do Trabalho em 1919. Tal
entidade já reconhecia, em suas primeiras reuniões, a existência de
doenças profissionais. Por sua vez, o modelo capitalista criado
transformou as relações do homem com a natureza, dos homens entre si,
com o trabalho e com a sociedade. Surgiu a organização científica do
trabalho, o taylorismo e o fordismo, convertendo o trabalhador de sujeito
em objeto, bem coadjuvado pelas teorias modernas de Administração, que
tinham como finalidade precípua, embora não exclusiva, a produtividade.
E, por consequência, a conquista do mercado. As ciências por sua vez
evoluíram, configurando novos campos do saber, principalmente a química
pura e aplicada, a engenharia, as ciências sociais e a incorporação da
dimensão da psicanálise.
Desenvolviam-se os primeiros conceitos de Higiene Industrial, de
Ergonomia e fortalecia-se a Engenharia de Segurança do Trabalho.
Paralelamente, no campo da Saúde Pública, começaram a ser criadas
Escolas, como a John Hopkins, a de Pittsburgh, com ênfase na Medicina
Preventiva que tinha como figuras exponenciais LEAVELL & CLARK.
Tudo isto veio configurar um novo modelo baseado na
interdisciplinaridade e na multiprofissionalidade, a Saúde Ocupacional,
que nasceu sob a égide da Saúde Pública com uma visão bem mais ampla
que o modelo original de Medicina do Trabalho. Ressalte-se que esta não
desapareceu, e sim ampliou-se somando-se o acervo de seus
conhecimentos ao saber incorporado de outras disciplinas e de outras
profissões. Desta forma:
"A Saúde Ocupacional surge, principalmente nas grandes empresas, com o
traço da multi e interdisciplinaridade, com a organização de equipes
progressivamente multi-profissionais, e a ênfase na higiene industrial,
refletindo a origem histórica dos serviços médicos e o lugar de destaque da
indústria nos países industrializados. " (MENDES, 1991).
A Saúde Ocupacional passava a dar uma resposta racional, científica,
para problemas de saúde determinados pelos processos e ambientes de
trabalho e através da Toxicologia e dos parâmetros instituídos como
limites de tolerância, tentava-se quantificar a resposta ou resistência do
homem trabalhador aos fatores de risco ocupacionais. Ainda hoje, nos
principais países industrializados, o modelo da Saúde Ocupacional é
hegemônico, porquanto uma efetiva legislação de proteção ao trabalhador
e ao meio ambiente se alia à ação igualmente eficiente dos órgãos
fiscalizadores (como exemplo temos a Occupational on Safety Health
Administration-OSHA e o National Institute for Occupational Health and
Safety- NIOSH, nos Estados Unidos da América). Mas, mesmo aí, por
força dos movimentos sociais da década de 60, onde se discutia desde o
modelo de sociedade até o próprio significado intrínseco do trabalho,
sentia-se a necessidade da maior participação dos trabalhadores e da
sociedade como um todo, na discussão das grandes questões atinentes à
área. Já na Europa, onde fervilhavam movimentos renovadores, irrompeu
na Itália da década de 70, um movimento de trabalhadores exigindo maior
participação nas questões de saúde e segurança, o que resultou em
mudanças na legislação, tais como a participação das entidades sindicais
na fiscalização dos ambientes de trabalho, o direito à informação (riscos,
comprometimento ambiental, mudanças tecnológicas) e, finalmente,
melhoramento significativo nas condições e relações de trabalho. Este foi
o movimento operário italiano. E mudanças na legislação de saúde e
segurança dos trabalhadores continuaram acontecendo em vários países, e
o movimento que se iniciava na Itália, chegou à América Latina, onde a
turbulência político-social e a sêde de mudanças fez com que germinasse,
tendo como base a reforma sanitária e as lutas democratizantes, que
praticamente todos os países da América do Sul e Central travavam
É nesse contexto, que a área temática Saúde do Trabalhador se
configurou e estruturou em um contexto de profundas mudanças nos
processos de trabalho que se iniciaram na década de 70, e cuja
característica marcante era uma transnacionalização das economias, onde
indústrias se transferiram para o Terceiro Mundo, principalmente aquelas
que ocasionavam danos para a saúde ou para o ambiente, como a de
agrotóxicos, a de amianto e chumbo. Também a automação a
informatização, a terceirização, ao determinarem marcantes
transformações na organização e processo de trabalho, impactaram sobre
os trabalhadores e sua saúde. A Saúde do Trabalhador surgiu também
como um novo enfoque de proteção de homens e mulheres, à luz da
pressão do capital. Os trabalhos de Laurell & Noriega incorporaram
marcadamente esta discussão-resistência e influenciaram pesquisadores e
sanitaristas de toda a América Latina contribuindo para determinar o
objeto da saúde do trabalhador como o estudo do processo saúde-doença
dos grupos humanos sob a ótica do trabalho,. Delineava-se um campo em
construção dentro da Saúde Pública e com premissas teóricometodológicas
que TAMBELLINI (1993) e MENDES (1994) expressaram
como a ruptura com a concepção hegemônica que estabelece um vínculo
causal entre a doença e um agente específico, evitando cair no extremo
oposto do determinismo social exclusivo. Daí o marco teórico conceitual
de TAMBELLINI (1985) "Saúde do Trabalhador é a área de conhecimento
e aplicação técnica que dá conta do entendimento dos múltiplos fatores
que afetam a saúde dos trabalhadores e seus familiares, independente das
fontes de onde provenham, das conseqüências da ação desses fatores sobre
tal população (doenças) e das variadas maneiras de atuar sobre estas
condições.. . "
Autora: Suelen Queiroz
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