O Diário do soldado 038 - O recruta

Depois da tortura inicial, de pegar um sol escaldante, ficar com um do lado do corpo paralisado por causa de uma vacina assassina e ficar pelado para uma platéia de 100 pelados. Agora os sargentos nos mandaram para o almoxarifado pegar as roupas, os sapatos, os coturnos ou bute (como se falam na força aérea).

Estava começando mais um ciclo em minha vida, estava me tornando um funcionário público fardado e devidamente instalado em um alojamento que cabiam exatamente dois grupamentos de militares. Nem tive a curiosidade de contar a quantidade de beliches que havia no local... Só sei que poucos não eram e foi aí que começou o nosso treinamento. Disseram-me que eu pertencia a segunda companhia de infantaria e o meu número, pois era assim que éramos identificados, foi o 038. Parece número de revólver.


Os beliches naquela época eram de lona... Sim, lona. Hoje que são de colchões sobre ripas de madeira. Nossa primeira obrigação era amarrar as lonas nas camas lavadas na lavanderia do quartel e estica-las nos beliches. Fomos divididos em duplas para que um amarrasse a parte de cima e o outro à parte de baixo.


Colocaram-me do lado de uma cara que ninguém queria ficar perto, por puro preconceito, ele era homossexual. Como nunca tive este problema, lá fui eu ajudar o 035. Pois era este o número dele.


-Você amara as de baixo que eu amaro as de cima! – disse-me ele cheio de disposição e destreza.

-Por mim tudo bem.


Ele era rápido no que fazia, enquanto estava amarrando uma lona, ele já estava na segunda e deixando-a esticada como cama elástica de circo. Com o tempo fui pegando a pratica, mas não tanto quanto o 035.


-Você tá muito mole! – disse-me ele.


Um engraçadinho lá da outra extremidade do alojamento soltou esta no ar:


-Ele gosta de duro! – e gargalhou, puxando os demais com ele.

-Malditos! Brincadeira sem graça!

-Não liga para eles... Precisamos terminar que daqui a pouco o sargento vai voltar e não sei o que irá acontecer se ver tudo desarrumado ainda.


O 035 concordou comigo, continuou o serviço e terminamos as camas que nos foi incumbida de arrumar as lonas.


-Pronto! Estão lindas! – disse ele todo orgulhoso.

-É, realmente elas estão umas belezas mesmo!


Na hora marcada para o término, o sargento apareceu com o cabo responsável pelo alojamento e olhou cada uma. Nos parabenizou pelo belo trabalho e deu uma sonora bronca nos engraçadinhos que fizeram a brincadeira de mau gosto com o 035 e ainda estavam amarrando as lonas.


-Bem já que todos já fizeram seus trabalhos, agora vocês vão trocar de camas... Quem arrumou estas, irão para as outras lá no fundo e os que estão lá vão usar as que estão aqui.


Fiquei decepcionado, as camas que arrumamos com tanto cuidado foi entregue aos engraçadinhos, enquanto nós, eu e 035, fomos para a cama que eles amarraram. Se aquilo podia se dizer de amarração.


-Não tem problema, a gente amarra novamente 038.


Concordei com ele e quando ele começou a arrumar a cama de cima, eu percebi algo diferente que não tinha visto antes. Ele fazia tudo correto, menos uma coisa primordial. O 035 invés de dar nós nas extremidades da cama, ele dava laços usado nos sapatos. Eu curiosamente fiz uma pergunta a ele, sem maldade.


-Me diga um negócio 035... Você deu laços em todas as camas?

-Dei por que?

-Então mude as nossas para nós.

-Por que?

-Não quero ninguém caindo encima de mim.

-Mas meus laços são bons.

-Eu prefiro nós!

-Tudo bem!

Conclusão: todas as camas que fizemos, o soldado de cima caiu no de baixo e um quebrou o nariz. Adivinha que se deu mal? Ele mesmo, o engraçadinho.